O Anjo Absurdo
Capitulo Um – Nascimento e Infância
Ele nasceu em uma cidade do interior de São
Paulo. Temporão, seus pais já estavam na meia idade. Seu pai com 54 anos e sua
mãe com 42 anos. Ele tinha três irmãs, com 16, 18 e 20 anos. Sua gestação foi
um absurdo, levou quase dez meses! Depois do parto, normal, levou quase uma
hora pra respirar normalmente. Sua madrinha lhe deu o nome de Armisael, que
significa “Anjo do Útero”, porque ela achou que o tempo de gravidez, mais o
tempo pra respirar o tornava um Anjo. Outros familiares o chamaram de Absurdo
pelo mesmo motivo! Armisael foi uma criança quase normal, quase! Era muito
introspectivo, tímido, mas extremamente inteligente. Com 8 meses já corria pela
casa, com três anos ele falava como um menino mais velho, pronunciava
corretamente as palavras, com cinco anos lia e escrevia como uma criança de dez
anos. Mas, era xereta demais, se intrometia em tudo. Tinha muita habilidade com
números, dominava muito bem computador e celulares, bem demais, um absurdo para
crianças da sua idade. Era dado a atitudes tão imprevistas que até assustava as
pessoas. Quando tinha seis anos, estava indo de carro com seu pai, no banco da
frente [naquele tempo ainda não existia proibição], mas de repente numa freada
brusca, bateu com a boca no painel do carro. Chorou muito, sangrou e seu pai
penalizado, levou-o até a beira do rio que cortava a cidade, onde estava
estacionado um circo, para lhe mostrar os elefantes. Ficou maravilhado em ver
aqueles bichos enormes que só vira em revista ou na tv. De repente, do nada,
deu um grito tão alto que assustou um dos elefantes que estava na água. O bicho
levantou a tromba e jogou um jato d’água na direção deles, molhando
principalmente seu pai, que não gostou nem um pouco. Duas de suas irmãs, as
mais novas, não se conformavam com as intromissões em seus namoros, que
passaram a não trazer seus namorados para casa, pois ele ficava especulando a
vida deles e não dava sossego. Elas achavam um absurdo isso, mas não adiantava
reclamar, ele era o xodó dos pais e da irmã mais velha, casada e ainda sem filhos
praticamente ela que criou Armisael. O cunhado dele, talvez tenha sido seu
melhor amigo e conselheiro.
Capítulo Dois – Trabalho e Casamento
A medida que crescia, ficava mais chato, mais
absurdo. Estudou, se formou e prestou concurso público para Auditor Fiscal da
Receita Federal. Entre 1.780 candidatos passou em primeiro lugar! Assumiu o
cargo em Fortaleza. Sua família ficou aliviada com isso, por ele ter passado no
concurso e por ir morar longe! Tinha uma amiga na repartição: Luíza, a
recepcionista que era um pouco como ele. Tinha TOC e tudo tinha que estar
simetricamente arrumado em sua mesa, comia na mesma lanchonete sempre, pegava o
mesmo ônibus sempre, o numero 120, e quando algum dia trocavam o carro por
algum motivo, ficava inquieta assim que entrava no ônibus e assim ia até sua
parada! Armisael era meticuloso ao extremo e gostou dela ser ordeira e achou
que ela era a mulher ideal! Um dia, receberam a visita do Ministro da Fazenda,
que tinha ido a um evento em Fortaleza e quis conhecer a repartição que era
considerada uma das melhores do país. No meio da palestra do Ministro, Armisael
levantou-se, ajoelhou-se em frente a Luiza e a pediu em casamento! Seus chefes
ficaram abalados com a ousadia dele, mas, O Ministro gostou da cena, aplaudiu
muito e parabenizou o casal. Casou com Luíza, que o aceitou como ele era e
foram relativamente felizes. Lógico que os problemas conjugais pra eles tinham
outra dimensão, Luiza contornava bem as coisas absurdas que Armisael fazia,
visto que ela também não era totalmente normal. No trabalho, os colegas não
tinham a mesma paciência e compreensão de Luíza, e logo o apelidaram de
Absurdael e ele nada pode fazer a respeito, pois quanto mais reclamava, mais o
chamavam assim. Com o tempo se acostumou e um dia até aceitou ser chamado
assim. Era o melhor auditor do Ceará. Tão bom que foi transferido para S. Paulo
onde o volume de trabalho era muito superior e precisavam dele por lá para
chefiar a repartição. Os colegas da repartição cearense deram uma festa de
despedida para Armisael, e de alívio para eles! Em S. Paulo reformulou a
repartição. Era minucioso ao extremo e logo ganhou a simpatia de alguns e a
antipatia de muitos.
Capitulo Três – No Céu
Um dia, saindo do estacionamento para entrar no
prédio da Receita, foi atingido na cabeça, por uma das letras de metal que
compunham o nome da repartição e que se soltou da fachada do prédio. Morreu
antes de tocar o chão! Deixou a mulher, relativamente jovem, três filhos e um
seguro de vida por morte acidental de 5 milhões de reais, que a seguradora
aprovara sem problema pois entendeu que o trabalho dele não oferecia risco de
acidente. Esqueceram que ele era um homem absurdo e um absurdo poderia
acontecer, como aconteceu! Quando você chega no Céu, vai para Sala de Triagem.
Ali, um Anjo faz o seu cadastro, puxa sua ficha de vida, vê o que você fez de
bom e de ruim, estabelece uma nota e você é encaminhado ao setor competente de
acordo com que fez em vida, pela ordem: Inferno, Limbo, Purgatório Céu ou vai
para a equipe de faxina e, os faxineiros invariavelmente voltam para a Terra
sem desfrutar das benesses do Céu, mas também sem sofrer as agruras do Inferno.
São os sem nota ! Assim que chegou no Céu, Armisael foi encaminhado ao Anjo
Azbogah, que é um dos Anjos do Julgamento. Azbogah, de cara, assim que começou
a entrevista, sentiu que essa alma seria um problema, e foi ! Armisael ficou
chocado com a bagunça que encontrou na seção. Reclamou em altos brados enquanto
estava na fila, chamando a atenção de São Pedro, [uma espécie de Gerente Geral,
observou Armisael posteriormente]. S. Pedro, imediatamente chamou o Arcanjo
Gabriel, seu braço direito e disse: - Gabriel, o que é aquele tumulto lá na
Triagem? Vai verificar, por favor! Gabriel voltou e disse a S. Pedro que uma
das almas recém-chegadas estava reclamando da demora no atendimento e que era
inadmissível que aquilo fosse tão bagunçado assim! Ali era o saguão do Céu,
pelo amor de Deus! S. Pedro mandou levantar a ficha de Armisael. Comentou com
Gabriel: - Essa alma é um absurdo total pelo que estou vendo, não foi bom o
suficiente pra gente deixar ele entrar no Céu, nem foi ruim o suficiente para
ir para o inferno e tem uma certa cultura, não podemos manda-lo para faxina. O
que vamos fazer com ele? Resolva isso Gabriel, é tua função. Gabriel pensou
muito e uma hora depois achou a solução. Foi a S. Pedro e disse: - Já sei
Chefe, vamos fazer uma coisa que nunca fizemos, vamos colocar essa alma na
Triagem para fazer a primeira entrevista e o cadastro. Absurdo do jeito que ele
é, ninguém vai passar a perna nele dando informações erradas. Ele é bom no
computador e é tão chato que vai ficar fazendo tantas perguntas, com tantas
minucias que nenhuma alma vai querer ficar muito tempo na mesa dele e vai logo
contar tudo certinho para cair fora de lá o mais rápido possível! E com isso
“liquidamos duas almas penadas com um só raio”, com perdão da expressão, e
arrumamos a seção! E foi assim que aquela alma Absurda chamada em vida de
Armisael, vulgo Absurdael ficou efetivado como Encarregado da Triagem, subordinado
a Azbogah, que ficou muito satisfeito em ter um elemento tão absurdo como
aquele para comandar a seção, que em pouco tempo foi eleita a seção mais
certinha da Administração Celestial. Com o passar do tempo ele foi efetivado
como Anjo Armisael, Encarregado da Triagem. Esse foi seu último absurdo, que
provou a teoria de sua madrinha que ele era um anjo!
[João Libero]

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